terça-feira, 7 de abril de 2009

Enquanto dormiam, eu pensava na letra 'C'

A Constituição (a Constituição que os militares não conhecem e muitos juristas e juízes pelos vistos também não) serve para defender os direitos dos cidadãos da República da Guiné-Bissau.

Lutamos durante onze anos para nos libertarmos do ‘jugo colonial’. Uma luta árdua, difícil, feita com tenacidade e brio, sob o comando do insigne líder Amílcar Cabral (que alguns hoje, felizmente poucos, já esqueceram ou nunca souberam, a ponto de lhe terem perdido o respeito).

Até que mataram Cabral. A luta intensificou-se. Chegou a independência. E as flores desabrocharam. O sol raiou. A guerra, por estas alturas, foi uma fase por que passamos. Unimo-nos ainda mais. E construímos tudo aquilo que o colonialismo nos privara e não queria que tivéssemos: escolas. Muitas escolas. E havia bons professores, dedicados. Inglês, física (com excelentes professores russos) e química. E construímos fábricas. Muitas. Fomos mais longe e convencemos a França a instalar no País uma linha de montagem de automóveis (em detrimento do Senegal!?).

E depois? Bom, depois foi o golpe de Estado. E era então que tudo ia começar.
A partir daqui, começamos a perder os nossos direitos, conquistados por homens valentes, com muito sangue derramado (não é por acaso que o vermelho ocupa um espaço maior na nossa bandeira), suor e lágrimas. Depois chegou a vez dos «bufos». Podiam estar na mesa do lado no café, no corredor da escola ou do emprego, do outro lado da linha telefónica quando se ouvia meter uma cavilha ou coisa que o valha. Ninguém estava a salvo.

Então, de repente tornamo-nos pequenos. Estávamos espantados com a rápida decadência do nosso País e das suas infraestruturas. Assustaram-nos muito. Enfim, ficou um País pequenino e bolorento, povoado de gente paranóica e perigosa e descontrolada. Julgavam e matavam pessoas. Chegavam a matar pessoas sem qualquer julgamento. Enterraram centenas em várias valas comuns (dormi - literalmente - numa vala comum, em Cuméré, quando estive na recruta e vi restos de sapatos, de roupas, de relógios, algumas ossadas. E chovia. Mas mesmo assim, dormi).

Hoje. 2009. Século XXI. Parece que retrocedemos duas décadas. Já não se pode falar à vontade num café (eu, falo!), escrever o que se pensa (eu, escrevo!), comunicar ao telefone, mandar um bilhetinho sem que alguém tente saber do que se trata ou mesmo interceptá-la.

E nós temos medo (eu, não!). Medo de que o âmago da nossa intimidade, os nossos pequenos e grandes segredos, as manifestações mais inocentes dos nossos afectos, as conversas mais pueris fossesm escutadas, interpretadas e - quem sabe até – divulgadas.

Guineenses,

Hoje, a nossa Constituição foi ferida de morte. A Constituição foi uma conquista, não apenas teórica, porque definiu direitos de cidadania concretos, muitos dos quais nunca tinham sido usufrídos sequer pela minha geração. Hoje, alguns senhores julgam que podem, através da força, limitar outra vez as liberdades e criar novos mecanismos policiais.

Hoje que assistimos a inúmeros atropelos, quem se lembrou mesmo do capítulo «Direitos, Liberdades e Garantias» da Constituição?

- O Presidente da República interino tomou as medidas necessárias para obrigar ao seu respeito? Não.

- O procurador-geral deu ao País a imagem de um garante da aplicação das leis da República? Não parece.

Quem de nós, sendo cidadão de bem (e independentemente das simpatias políticas), não fica preocupado ou inquieto?

Tenham um bom dia.

António Aly Silva