segunda-feira, 6 de junho de 2011

Entrevista a João Monteiro: um esclarecimento do Coronel Afonso Té

"Caro Aly. Tudo bem?

Se me permitires, gostaria de trazer alguns elementos relacionados com a entrevista do Coronel João Monteiro no Ditadura do Consenso.

Na noite em que o General Tagme foi assassinado, preocupado, entrei em contacto com Coronel João Monteiro e ele deu-me a sua coordenada: Estava na residência do General 'Nino' Vieira e fui ter com ele. Disse-me que aquele o tinha mandado buscar porque constou-lhe que o General Tagme teria sido assassinado. Muito preocupado e incrédulo, perguntou-me porque teriam feito isso? E depois disse-me: olha, isto vai dar bronca. É preciso que o Presidente saia da sua residência, mas ele insiste em ficar.

Ele, já não estava ligado à segurança do Presidente e eu já não estava nas Forças Armadas, pelo que, pese embora reconhecessemos que a situação de risco era por demais evidente, estávamos limitados. Ficamos juntos por um tempo e depois pediu-me para levar-lhe a casa para ele poder jantar e voltar. Assim fiz. Fui com ele, jantamos e saímos juntos.

No caminho, de regresso à casa do General Vieira, fomos informados de que um grupo de veículos dupla cabine, cheio de militares dirigia-se para a casa dele (do Presidente). Fomos directamente para lá.

Quando chegamos constatamos que tinha sido o Presidente quem convocou uma reunião de emergência com as Chefias Militares e que já estava no fim. Eu ainda vi o dispositivo de segurança montado. Havia duas cinturas no perímetro. Aparentemente estava tudo bem. O Coronel João Monteiro entrou e eu deixei-o tendo continuado a circular. Foi assim que comecei a coletar dados para poder melhor entender o que se passou no Estado Maior-General e tirar ilações.

Nisto, fui informado que havia movimento militar a nível de Safim e do Aeroporto. Chamei o Coronel João Monteiro a quem pus ao corrente prevenindo-o. E conforme a noite avançava as coisas se complicavam pois o movimento intensifica-se enquanto que na Presidência, sede do Batalhão do Palácio a calma se tornava cada vez mais suspeita. Pois era a Unidade que tinha por missão defender o Presidente da República.

Depois os tiros começaram a fazer-se sentir, chamei o Coronel João Monteiro que me disse que a residência do Presidente da República estava sob fogo intenso. Depois perdi o seu contato. Entretanto continuei a circular até que consegui o número do Presidente da República : +245 640 0000 (este foi um dos seus últimos números). Liguei para esse número a pessoa que tinha o telefone respondeu mas não dizia nada. eu disse aló várias vezes mas como ela não respondia fiquei à escuta. Foi assim que ouvi uma voz ao fundo perguntar:"para onde o levas, para onde o levas? Uma segunda voz responde: vou levá-lo Estado Maior". Continuei a escutar mas não havia mais nada de importante cortei a ligação.

Eram mais ou menos 5h da manhã. Fiquei ainda com uma certa esperança de que o Presidente ainda estivesse de vida. Tentei chamar o Coronel João Monteiro, mas continuava com o seu telemóvel fechado.

Às sete da manhã o Coronel João Monteiro chamou-me e quando respondi perguntou-me se ainda havia movimento nos arredores da casa do Presidente ao que respondi que sim. Pois, os militares que estavam envolvidos no assalto ainda estavam no local. Nessa altura ele não me disse que estava ferido e nem perguntei onde estava pois no telefone não devia fazé-lo. Em relação a ele eu pelo menos, fiquei a saber que ainda estava de vida. Também já sabia do assassinato do Presidente da República.

Desligou o telefone e só voltou a chamar-me às nove. Desta vez disse-me que tinha sido ferido e que sangrava. Eu pedi-lhe que ficasse onde estava, que eu ia fazer diligências para tirá-lo dali. Chamei o Coronel Cissé da CEDEAO mas o número que eu tinha não passava. Chamei o Coronel Sandji Fati, que me deu o número do Coronel Marino. Depois chamei o Dr. Aristides que de imediato chamou para a UNOGBIS - eu também chamei - tendo confirmado que já tinham sido chamados tanto pelo Aristides como pelo Dr DiCkson.

Depois destas diligências todas fiz o seguimento da operação de sua exfiltração pela UNOGBIS à distância. E só depois de tudo isto é que fui para a minha casa onde fiquei. Estive em Bissau até depois do enterro a que assisti. Saí de Bissau para Dakar no dia 12 de março de 2009 no voo normal da TACV. No dia 14 do mesmo mês segui para a Índia, que, de resto, era o meu destino e o motivo da minha saída do País.

De regresso a Dakar fui visitar o Coronel João Monteiro pela segunda vez, no Hospital militar Principal. Quando eu lhe disse que regressava a Bissau no dia 21 de Março, ele insistiu que eu não fosse. E tinha razão. Logo depois fui informado de que na Segurança do Estado circulava a informação em como eu estava a comandar uma força que tinha por missão invadir a Guiné-Bissau, a partir de Varela, enquanto que o Coronel João Monteiro comandaria outra, que devia desembarcar em São Domingos.

Mais tarde soube que os agentes da Segurança montavam guarda à minha residência.
Coitado do Coronel João Monteiro: enquanto a Segurança dizia que ele comandava uma força que devia desembarcar em São Domingos, ele estava deitado no Hospital com seis balas no corpo...

Esta foi a razão porque fiquei fiquei em Dakar. Só as especulações continuaram. E em Junho de 2009, soube pela comunicação social que o Helder Proença, o Baciro Dabó mais outras duas pessoas foram assassinadas e que o Dr Faustino Mbali foi detido por uma alegada tentativa de Golpe de Estado em que nós participaríamos. Assim tomei conhecimento da lista de nome de pessoas supostamente envolvidas na tentativa.

Nota: Depois de ler a entrevista, quis aportar as precisões acima.

Coronel António Afonso Té
"

NOTA: Muito obrigado pelo seu esclarecimento. Um abraço, Aly Silva