quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

JOVENS E TRAJETÓRIA DE VIOLÊNCIA. OS CASOS DE BISSAU E DA PRAIA


APRESENTAÇÃO DO LIVRO “JOVENS E TRAJETÓRIA DE VIOLÊNCIA. OS CASOS DE BISSAU E DA PRAIA”, Pureza, J.M; Roque, S.; Cardoso, K. (Orgs), Coimbra, Almedina/CES, 2012

Cabe-me apresentar a segunda parte deste livro que é dedicada ao estudo dos jovens e trajectórias de violência em Bissau. Gostaria de ressaltar, em primeiro lugar, o olhar original sobre as questões de segurança na Guiné-Bissau que nos traz este livro.

Quando pensamos em segurança na Guiné-Bissau, a imagem que dai resulta é a da violência política e militar, dos sucessivos golpes de estado, dos assassinatos políticos e da impunidade, e do narcotráfico. Recentemente, podemos ainda acrescentar o terrorismo e o tráfico de seres humanos. Ora, por causa destas preocupações, a atenção, as políticas e os fluxos financeiros têm sido desviados para as questões da segurança e as suas dimensões internacionais. Um dos exemplos claros deste desvio é a atenção dada à Reforma do Sector da Segurança: Reformar os militares é tido como essencial para um cenário de paz e desenvolvimento na Guiné-Bissau. Isto baseado no princípio que não há paz sem desenvolvimento nem desenvolvimento sem paz. Este posicionamento tem remetido para segundo plano outras dimensões das dinâmicas sociais na Guiné-Bissau que se vão tornando invisíveis; como também tem remetido para segundo plano muitas das reais preocupações dos guineenses em matéria de segurança.

Penso que esta é uma das razões porque este trabalho é diferente: porque tenta compreender a sociedade guineense a partir das suas próprias preocupações: Quais são de facto as questões que preocupam os guineenses ao nível da segurança?

Também em relação aos jovens, neste trabalho contestam-se (1) os processos de securitização dos jovens e (2) a imagem dominante dos jovens como “ameaças”.  Assim este texto dá visibilidade a estes jovens ajudando-nos a tentar compreender: Quem são estes jovens de Bissau? Quais são as suas histórias de vida? Como é que eles se vêem, e se imaginam, como é que sonham o futuro? E em relação às jovens raparigas, tenta compreender a que tipos de violência estão sujeitas.

O primeiro capítulo sobre a Guiné-Bissau é da autoria da Sílvia Roque. Investigadora do Centro de Estudos Sociais de Coimbra e doutoranda, está fazer um doutoramento sobre violência em contextos de pós-guerra (nos casos de El Salvador e Guiné-Bissau) e trabalha há vários anos em questões ligadas à Guiné-Bissau e o que ressalta do seu trabalho é precisamente, esta postura de questionar os estereótipos, e é esta atitude que empresta a este trabalho. A autora propõe-se inverter a pergunta mais comum nos estudos sobre jovens e violência e pergunta: “por que razoes não se “mobilizam” os jovens em Bissau?” . Quando enfrentam desemprego, pobreza, falta de acesso a educação de qualidade, ausência de perspectivas de um futuro melhor, por que é então que estes jovens não se envolvem em gangs ou grupos armados?

A autora traça, em primeiro lugar, um retrato plural destes jovens que não são uma massa homogénea e, para tal, entrevista jovens detidos, consumidores de droga, jovens envolvidos em todo o tipo de projectos associados à cultura, a políticas, universitários, estudantes, bancadas, grupos de jovens em bairros, etc.

As razões da não-violência são múltiplas: desde a eficácia do controle social até a capacidade de superação dos problemas de forma pacífica. Mas também pode ser a desesperança que faz com que as soluções mais óbvias para o futuro sejam: fugir ou esperar. Também pode ser essa mesma desesperança que evita a organização violenta dos jovens que pode actuar no sentido de os desprover do exercício de uma cidadania activa, de protesto e de resistência.

Finalmente pergunta-se até quando que os jovens vão esperar pacificamente? Aliás coloca-se a mesma questão em relação ao povo guineense: até que ponto é que as transformações sociais poderiam por em causa a tremenda resiliência que a população guineense tem demonstrado face às adversidades?

No segundo capítulo, “Falhanço em cascata: como Sociedades Agrárias Africanas em colapso perdem o controlo sobre os seus cadetes”, Ulrich Schiefer, sociólogo e antropólogo, Professor do ISCTE-IUL e da universidade de Münster, dá-nos algumas das explicações também face à questão de por que é que os jovens não se mobilizam. Fá-lo através da análise dos mecanismos, extremamente elaborados, de contenção de violência que existem nas sociedades agrárias da Guiné-Bissau. Não se trata aqui de analisar sociedades imutáveis, como clarifica o prefácio, mas de tentar compreender em que medida é que estes sistemas podem ser resilientes ou enfraquecer perante as mudanças sociais. O ensaio salienta nomeadamente os potenciais impactos negativos na gestão da violência derivados da desestruturação das sociedades agrárias simultânea à migração para contextos urbanos nos quais as promessas da modernidade não podem ser cumpridas. É sobretudo nestes contextos urbanos, em que os bairros periféricos abrigam cada vez mais migrantes que fracassaram no seu projecto de (e)migrar, em cidades onde não encontram ocupação, que a gestão do potencial de violência se torna mais difícil.

Finalmente, o último capítulo da autoria de Sílvia Roque e Joana Vasconcelos centra-se nas jovens raparigas guineenses e analisa diferentes expressões de violência que as afectam. O título deste capítulo diz “raparigas de agora é só provocação” e surge da constatação de que as jovens raparigas são alvos de crítica generalizada sendo consideradas “interesseiras”, “que provocam os homens” e que se relacionam com estes apenas com o objetivo de obter ganhos materiais. A este propósito, é ilustrativa a citação de um grupo de mulheres que garante que: “as raparigas, se os homens não lhes dão dinheiro, elas vão buscar outro. E preciso encher-lhes o bolso”. As autoras defendem que estas acusações mostram de algum modo, por um lado, a perda de controlo sobre a sexualidade destas jovens e, por outro lado, as transformações económicas e sociais nas quais as raparigas assumem cada vez mais um papel de relevo enquanto actores com agência. No texto exploram ainda dois tipos principais de violência directa: o casamento forcado e a violência entre namorados que consideram um produto da recusa das práticas ditas “tradicionais” como da adesão a novos ideais como por exemplo, os ideais de amor romântico. Acima de tudo este trabalho pretende contribuir para superar a invisibilidade de grupos até agora quase invisíveis como os jovens e especificamente as jovens raparigas. É um olhar de fora mas que, através de um grande rigor, tenta ser de dentro. Daí ser muito diferente das abordagens habituais no campo da segurança. Foi, aliás, na perseguição deste objectivo que a Joana Vasconcelos, no âmbito da sua tese de doutoramento, iniciou o seu trabalho de campo para tentar para tentar compreender como é que as jovens raparigas conseguem superar as dificuldades da juventude. 

José Manuel Pureza disse acreditar que “em cada um destes casos há um James Dean”. Se acreditarmos também que estes jovens dão expressão a uma violência que advém de choques entre visões do mundo e que podem conter em si a força de mudança, este livro é uma leitura essencial.

por Ana Larcher